segunda-feira, 25 de maio de 2009

Gota d'agua


A água do chuveiro era quente e caia aos poucos sobre o seu peito gélido. A face era feia, sem nuances como se o ritmo do tempo estivesse aprisionado entre as rugas. O cabelo incolor, molhado!
Quando Adara pôs os pés no chão naquela tarde, sentiu entre as veias o peso frio da solidão.O que faria se um dia perdesse o calor do homem que acreditava amar? Era o barulho da chuva, é, deveria ser! As gotas são deveras sozinhas...
O sofá tinha o corpo do marido desnudo, cheio de cores que acalentavam a alma.Sentiu repentinamente uma vontade incontrolável de roubar aquelas cores pra si, como se no contato do corpo afogasse a solidão.Deitou-se então, igualmente desnuda, junto a ele.
Adara, nome de estrela, era mesmo como estrela em constelação(Observam o brilhar e o ofuscar uma das outras) Ah! Aglomerada solidão! O marido levantou, e ao sair deixou a moça sem beijos, sem fala, sem nada... A tarde chegava ao fim.
Ao acordar do sonho, sozinha no sofá, incomodada pela luz do sol, que rompia a janela,despertou...E como era perigoso despertar! Tinha medo de perder-se em si, no vazio do seu peito, em devaneios oníricos.Se caisse lá e nunca mais voltasse?!
Abriu a janela na tentativa de fazer-se vida, mas desafortunadamente, encontrou espetantes antônimos.Árvore verde, arrancada, corpo vivo, tão cinza... Se ouvia distante um grito de dor, um grito de estrela, no infinito.
Ao contrário dos seres humanos comuns, não chorou.Era como se o frio congelasse suas lágrimas.Ao virar-se, o espelho da sala a encarava.Meu deus! Como estava velha! Como seus olhos azuis estavam sem brilho... Que desespero se apossou do seu peito.Despiu-se. E continuou ali, parada, até que o tempo aqueceu e alguma lágrima tímida caiu.
Havia um barulho, eram sirenes vermelhas, vermelho sangue... vermelho que estampava o seu rosto.Levaram, limparam tudo, colheram os pedaços de vida que restava, sem frutos!
Quando seu joelhos falharam, foi tomada pelo frio e caiu ao chão.A última coisa que viu, foi a lua cheia iluminando a copa das árvores que incitavam a queda.Os olhos, azuis, vislumbraram uma luz anil.Acreditava que eram seus olhos em outras épocas, em outros tempos, mas ainda assim eternamente fadados a cair no abismo de si. Ela, sangue-suga, presa ao próprio corpo, a própria alma. Concretamente só.Seus olhos choviam...

quarta-feira, 6 de maio de 2009


"Minha dor é velha
Como um frasco de essência cheio de pó.
Minha dor é inútil
Como uma gaiola numa terra onde não há aves,
E minha dor é silenciosa e triste
Como a parte da praia onde o mar não chega.
Chego às janelas
Dos palácios arruinados
E cismo de dentro para fora
Para me consolar do presente.
Dá-me rosas, rosas,
E lírios também..."

Fernando Pessoa