segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Para digerir





http://br.youtube.com/watch?v=0POJpWSk2g0&feature=PlayList&p=7960845CC9817345&playnext=1&index=40

Moça indigesta.





Seus pedaços não cabiam no estômago pequeno que contrastava com os contornos do seu corpo, farto. Devia ser do tipo de mulher, que se usavam vários talheres... e se enchia logo com as bordas esquecendo-se do miolo (a melhor parte do recheio, certamente)
O restaurante era agitado, e lá estava ela, em uma mesa distante... com olhos mansos, fundos, nesse misto de intensidade que até hoje não consigo reproduzir. Me enchia os olhos...,as mãos, os pés, estava tão farto de olhá-la que perdi o apetite, me senti preechido, paralisado.
A moça concentrada no mundo prosseguia, progredia rapidamente como um câncer, câncer doce, benigno.Nós, telespectadores silenciosos do olhar mudo, continuávamos...observando de soslaio o brilho que um pouco nos cegava, uma cegueira cheia de antíteses, pois nos dispertava uma visão de um mundo desconhecido. Um mundo intenso! (meudeus, como intensidade assusta!)
Estava sentada na frente de um moço que demorei a notar, ele em contrapartida não parecia enxerga-la, olhava com delicadeza as moças ao redor, cheio de carinho e sexo transbordando, imaginei que nada tinham senão mera ligação profissional
Ela não parecia sufocada.

Fiquei a observando, na minha solidão do meio dia, até que ela susurrou umas palavras ao moço a sua frente....

" Não consigo digerir-me"
" Comida pesada inplica em digestão difícil"
mal observara que seu prato era essencialmente vegetal
"É, devo estar pesada por dentro"
" Que nada, você está ótima"
"Humm"


Soltei um riso abafado e dediquei-me a minha feijoada.
Pobre moça... vai morrer sem que ninguém consiga digeri-la,pensei
Pobre de mim, que anos depois fui descobrir que tinha o estômago dilatado.

domingo, 18 de janeiro de 2009

Josef K.

O cão é nu



Queria engolir o mundo.
Era um misto de ousadia e sensibilidade animal...
tinha tudo e nada tinha,além dos dentes e do muco quente, amável...
Guardava-se a sombra, da areia quente, quieto.
como se de alguma forma conseguisse interromper o giro do mundo, esperando ele rodar, sem manifestar movimento algum...

Eu, muda em minha rede sólida, beirando a areia, solitária e triste engolida por mim, banhada de cores cinzas, beges, em nuances quietos.
Olhava, com olhos transbordando como em enchentes do mar...o cachorro me amava, amava ao solo, amava a si.
envolvia minhas entranhas com um olhar que escondia nos olhos lacrados de sono, suponho.
Mas no dia que acordou, esqueceu que existia vida.


e vivia!



Lispector, venha cá, convenhamos...
não apenas o cavalo é nu.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

'Momento VIII'















"O corpo existe e pode ser pego.












É suficientemente opaco para que se possa vê-lo.
Se ficar olhando anos você pode ver crescer o cabelo.

O corpo existe porque foi feito.
Por isso tem um buraco no meio.
O corpo existe, dado que exala cheiro.
E em cada extremidade existe um dedo.
O corpo se cortado espirra um líquido vermelho.
O corpo tem alguém como recheio. "

Antunes.