terça-feira, 30 de junho de 2009

Seio.



Não tinha nome, nem face. Um corpo liso com poucas curvas, como se estivesse comprimida entre dois armários, (e talvez realmente estivesse)Os olhos eram claros, embora não fossem notados, a boca farta, indelével. Os seios salientes,redondos, como se fossem a verdadeira reserva inviolável, do que se nutre. Era de beleza fragmentada, era necessário separar-se, desmembrar-se para que cada menbro vomitasse uma beleza...
Não era conjuntiva, era singular, ímpar. Seu corpo dizia.

Gostava do frio de se mergulhar, aquecia. Era o juntar de suas belezas perdidas, desconexas... e nadava, nadava horas a fio sem cansar e não era porque não cansava. O cansaço não advém do cansaço, o cansaço é dor, e não há quem canse sem doer. Nadar não dói. E seu peito, parecia comportar uma quantidade absurda de pesares.Seus seios choravam.
Então ficava fácil nadar, as lágrimas alimentavam, os seios sugavam, ela nutria-se.
Por aí vai o ciclo inegável.

Me doía ver tamanha dor aprisionada, era como um inchaço, um grito de dor que crescia, soprava, gritava, esperando o estouro, talvez nem ela mesma soubesse do que portava.É dessas dores anônimas que crescem em silêncio, um silêncio gritante. Ah, como me doiam os ouvidos. Se eu tivesse coragem, esperava ela sair daquela piscina e daria uma agulhada singela em seus mamilos.
A coragem que preciso, não é o medo da violação que qualquer lei, a violação de qualquer direito. A coragem que preciso é a de abrir a caixa da Pandora.
Ela, caixa, ser inanimado, seu seio a regia. Eu, telespectadora do grito, muda.

O grito era facilmente abafado, tanto que ninguém nunca a notava. Cada um que cuide do seu peito, da sua dor. Cada um com seus probrema. É.
O fato de ter me importado me consome mais que o problema em si, toda dor é egoísta, todo amor, todo gesto altruísta, não me venham com totalidades; só a pena é de uma tristeza total, e veja bem...Não era pena que sentia.
Sou seca demais pra sentir pena, ou qualquer tristeza que fosse. Sou rainha dos imimentes sentimentos, como se fosse obrigada a ficar entre o tudo e o nada, obrigada a postar-me entre numéros irracionais, sou número primo.

E assim seguiam nossas tardes de domingo,ela portava a dor, e eu a sentia.
Talvez nenhuma de nós fossemos cientes do trato mudo que assinamos, mas nosso encontro era sempre marcado. Todos os domingos, todas as manhãs de domingo.
Isso nos porporcionava um estado de êxtase indefinível, era como se fossemos expostas a uma dose considerável de morfina - Nos preenchíamos- Ela por saber que estava sendo olhada. Eu, por olhar.
No meu peito nunca coube nenhuma dor, nenhuma tristeza.Não me lembro o dia que chorei de dor a não ser física.Meus sentimentos só existem se forem palpáveis.
Sou uma cética sentimental, só sinto o que posso tocar.

A coluna da menina era envergada, porque seus seios pesavam. O que dava a seus olhos uma expressão triste, de uma constante dor, como algo que é introduzido na vagina, bem fundo e toca o ventre -Seus olhos eram mil alfinetadas no útero- Menina magra, de alma prolixa, sofria pelos seus acrescímos. Quando se tem nada se acostuma ao nada, quando se tem excessos, se adapta, mas quando os dois coexistem? Como fazer encaixar? Nada se entra, nada se veste. O ser é exposto, violado aos seus sentimentos primários. A sociedade não oferecia forma nenhuma a menina e a punia;
Eu portadora de vazios, encontro o barro para moldar.O mundo me oferecia uma fonte plena de nada. Sempre achei de um erro absurdo, tudo e nada serem antônimos.

Até que um dia a menina aparece com os seios reduzidos.
Ela não tinha mais a minha dor, logo não a sentia.
Sem dor não há cansaço, sem dor não há ferida, e sem dor não há vida.
Ah, que dilacerante ser posta assim diante de um espelho, para buscar minhas falhas, meus inchaços, minhas gangrenas!
Logo eu que cheguei a pensar que a menina gostava dos olhares(de alguma forma devia gostar...)há um calor cego no olhar, mesmo que constranja, mesmo que doa. O olhar aquece em suas mútiplas intenções. (Virou vulcão e entrou em erupção)
Meu penar, quão só me sentia. Eu, sem compaixão...sem a dor alheia que me oferecia uma difusa prova para tornar-me humana.
Pois bem, agora hei de procurar meus próprios burracos.

Faltei todos os vindouros domingos.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

A menina;



"A menina estava só.Ou melhor, a menina era só. A bem da verdade a menina nascera só, desprotegida, desguarnecida dos elementos usuais que protegem os seres que chegam. E como nascera estava vivendo, remoendo a solidão interna, aflitiva, que macera, desidrata, decompõe. A solidão da menina não é um mero estado físico, transcende a ele, é metafísica, mental e cerebral. A diferença da solidão da menina da solidão banal dos comuns se assenta na constatação de que ela vive em desacordo com os padrões vulgares, corriqueiros e padronizados das gentes que a rodeiam, cortejam, espezinham. Tristes seres os que não são capazes de compreenderem a solidão da menina! São meros componentes da inexorável estabanada manada, que vivem para comer, produzir, reproduzir; fazendo de conta que amam, respeitam e sonham. A menina prega no deserto sem ninguém para ouvi-la e compreendê-la. Recolhe-se à sua concha e se posta indiferente aos costumes relapsos, sem vituperar contudo, pois acha que em um dia qualquer há de aparecer em sua vida o mestre ausente, que haverá de compreendê-la, confortá-la, e desabrochar o seu sorriso. De expectativa em expectativa, de frustração em frustração, de tristeza em tristeza, deu para se assentar todos os dias nos rochedos da costa, para deitar seus olhos embaciados de solidão na vastidão do oceano, esperando ver em um dia qualquer, surgir no horizonte distante uma nau com as velas pandas, trazendo o argonauta dos seus sonhos solitários de menina, que haveria de sanar-lhe as feridas incrustadas em sua alma de menina, alienígena no mundo insensato dos cegos e mudos da conveniência obtusa. E de tanto ali ficar foi construindo castelos, edificando esperanças, dando vida a sonhos. Mas a nave não vinha! O argonauta também estava surdo aos apelos mudos da menina. Todas as tardes, por isso, naquelas pedras salgadas pela brisa do mar, a menina destilava sua revolta, carpia seu pranto derramado em lágrimas secas. Cumpria o seu fadário. Pois não é que em um dia comum, com sol, gente andando pela praia à cata de nada, meninos empinando pipas, a menina vislumbrou no horizonte distante a silhueta da nave esperada, que veio se achegando devagar, com as velas estufadas, em sua direção!? O argonauta estava na proa, de pé, vestido de reluzente armadura. É bem verdade que não trazia nem elmo, nem espada, nem escudo; e não é menos certo que ele já não possuía o vigor da juventude, era um velho já vergastado pelo tempo; mas ainda assim, era argonauta, e era esperado. Saberia ouvir o clamor que brotava do mais recôndito escaninho da alma da menina. Quando a menina foi recepcionar o navegante mágico, fez dos cabelos desgrenhados cortina, para esconder-lhe a esperança que reluzia do olho esquerdo. Limitou-se a semicerrar o direito, sonegando-lhe o direito de deslumbrar-se com a inteireza da beleza do rosto menina. Falaram a mesma língua, comungaram o mesmo propósito, se inteiraram, se complementaram, se entenderam. A cortina foi decerrada, e a menina sorriu. Seus olhos finalmente foram abertos, prenhes de esperança. Mas o viajante teve que seguir sua jornada de viajante, e foi embora. E a menina ficou a imaginar como suplementaria o ouvido esquivo que não estava mais ao seu lado. Não lhe bastara a identidade com o argonauta; queria mais, queria vê-lo, queria que ele espantasse aquela solidão atroz, dilacerante, que compunha todos os elementos que integravam o seu ser, mas dele apenas ouvia a voz distante, fazendo eco no tempo. A menina desabrochava, estava se transmudando em mulher, mas isso não lhe era suficiente; não iria lhe aplacar a dor de ser desigual entre os iguais, de ser incompreendida, de falar língua que ouvidos moucos e roucos não entendiam. A menina-moça não sabia que o argonauta, expectador de si mesmo por injunção e predestinação, vagava solitário pelos mares porque nunca encontrara o seu par. Também não tinha ninguém que o curasse da solidão de ser só no meio da manada. Ele também tinha suas próprias cartilhas, pelas quais rezava seus agouros no meio do nada, do vácuo, do intraduzível. A idade fizera com que ele já não vituperasse. A sua revolta já tinha passado, as suas máscaras já tinham sido derrubadas, todas. No caminho ele já tinha caído e levantado, deitado, dormido e acordado com a desgraça, o infortúnio. No seu tempo que rivalizava com o da menina-moça ele também já chorara por questões de nonada, já impacientara com os comuns, já menosprezara a vulgaridade dos idiotas. Depois aprendeu a conviver com tudo, calejado, acostumado. Não se deixou ser tangido, e muito menos que a sua cerviz fosse dobrada, em proceder de lacaio. Sobrou-lhe a alma, velha, mais sábia por essência que por mérito. A ALMA, ah, a ALMA. O que vem a ser a ALMA que não a própria essência do ser? ALMA não é LAMA, nem é MALA para conduzir um corpo às vicissitudes, ao depauperamento. Quando muito pode ser um AMAL eficaz e dedicado, com paciência e virtude para conduzir seu invólucro a uma finalidade profícua, redentora."

Antônio Francisco Patente.

sábado, 13 de junho de 2009

"É melhor ser alegre que ser triste..."


Eram amigas de longas datas, mas se o tempo fosse posto no filtro... nem eram tantas datas, nem era tanto tempo. Eram do tipo de amigas desmembradas que por mais tempo que se conheciam mais tempo se distanciavam. Enfim... eram desconhecidas de longas datas.
Como o dia amanheceu chuvoso se encontraram como de praxe na casa de Isabel, a mais velha e mais loira.Raquel era mais meiga, mais bonita e por fim mais feliz. Izabel sentia bem o peso de ser feia, porque pesa, amarga... é algo que nunca se digere. Ser feia é ser infeliz, e me desculpem as feias.
As conversas eram comuns, simples..."Ah, e aquela roupa de Alina de Jorge, tão bonita né?"
"As coisas no supermercado andam cada dia mais caras..."
" Não sei o que eu faço com a minha pele"
" Fazendo frio, né?"
" Quer coca?"
"O colesterol tá bom?"
" Tô fazendo hidroginástica nas segundas feiras!"
Ah , humanos... há de se soltar um sorriso de lado, meio sem graça, porque tais banalidades são comuns a todo peito, especificamente peito de mulher.

Passaram anos, choveram cântaros, e Isabel e Raquel continuaram... da mesma forma de um mesmo jeito, sozinhas

Um dia qualquer , se encontraram no supermercado, não chovia, fazia um sol gigante capaz de aquecer, de derreter qualquer felicidade, capaz de secar qualquer alma, qualquer peito e elas iam cobertas de um ar fresco de mentira, mas que escondia o suor...afinal... Isabel feia, Raquel bonita.

Existia um singular encontro, pois não chovia e nunca tinham se encontrado na rua,nunca tinham se encontrado assim...desprevinidas, despenteadas, com a vida tão exposta uma a outra(afinal tem coisa mais exposta que um carrinho de compras?)
Se cumprimentaram como vizinhas, aquele contato bem pelas beiradas...acho que esperavam uma chuva cair, o ambiente fechar, um tempo mesmo que breve pra esconder suas verdades, e pronto, enfim manter um contato sucinto, perguntar dos filhos, do marido...qualquer assunto que exige uma proximidade considerável, isto elas realmente tinham... conheciam suas respectivas cascas como ninguém.

"ô Raquel, você se sente feliz?"

"Claro que sim,Isabel, tenho tudo nessa vida! tudo que uma mulher poderia querer,
status, dinheiro, marido bonito, filhos lindos(...)"

Se auto bombardeou com elogios, dos mais externos. Falou da sua beleza, das horas intermináveis para cuidar de si...eram tantas coisas... Nunca pararam para pensar se eram felizes, ou não. Felicidade não era temática de novela... é miscível em algo de nós, e não há decantação que separe.

"E você Isabel é feliz?"

"Não."

Sempre assustador ouvir o "não", o não corrompe qualquer casca, qualquer cobertor, o não expõe o sumo, como algo que já devia ser expulso do útero e lá insiste em ficar, até que apodreça.

"Não sou bonita, nem rica, não tenho filhos, não tenho marido, não tenho em mim nada que transborde, sou tão seca"

"Tenho que ir, estou tão atrasada"

E foi mesmo, virou o seu carrinho saudável, cheio de embalagens bonitas, com pessoas sempre belas e felizes e foi embora... deixou Isabel só, afinal era quente e não chovia...
As cascas cairam, a abertura foi exposta a dor, as duas enfim nuas, enfermas...desde então nunca mais voltaram a se ver.



Choveram cântaros, uns,sem casca,morreram afogados.