terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Filosofia do cansaço.

Andei muito hoje. Foram horas de asfalto quente. Estou cansada porque sei que quando chegar em casa,em cima da mesa de jantar ainda suja, só existem memórias frias de um passado que já foi ardente. Da frieza das horas pesadas que carrego, me resta no peito a nódoa do tempo. Essa mancha árdua, tenaz, imoral que persegue a rotina dos meus dias...Junto a ela, me esperam outras milhares de nódoas nas roupas sujas que adiei lavagem....E foram tantas. Quando olhei para trás estava tão nua, que não me restava nada além da verdade.


De correr, parei de andar. No pragmatismo voraz da vida, só me sobram as nódoas, aquelas que deixei cair na roupa, enquanto corria para adiar: o encontro, o carinho, o almoço, o aniversário, o pedido, a preguiça, o amor. E de tanto adiar, cansei. Daqueles cansaços que de tanto pesar, decantam no lado mais absconso do existir. E vão, junto a nós, como qualquer tipo de marca, qualquer tipo de cicatriz discreta, que com o passar dos anos o que tanto já doeu se transforma em um amontoado de riscos em pele devastada pelas horas...

O relógio bate, com tanta pressa! Em cima da mesa, meus trabalhos incompletos, minha rotina gritante, a me devorar pelo medo, pela insegurança. Já rendida no sofá, as roupas me olham, sujas. A barriga ,que jaz exposta, me condena pelos meus excessos...Eu, insustentável.


De pensar, o tempo passou. Ofensivo. Penso comigo nos prazos, na obrigação moral que me condena terminar os capítulos, exercitar meu trabalho com vigor, alcançar meus méritos para finalmente me libertar dos meus grilhões. Serei rica, sim. Há de compensar. Sim... Terei um carro que me poupará das longas horas de caminhada, Terei uma máquina de lavar que cicatrizará minhas roupas sujas. Terei uma empregada que limpe a mesa de jantar . Irei para a academia todos os dias...




Mas e depois?

O sistema me enforcará com seus grilhões invisíveis. O dinheiro que tanto penso revestir minha vida de conforto, expõe o caminho que me submeti para alcançá-lo....

No auge da filosofia do cansaço, indaguei: O que sou?
E o barulho do vento me respondeu em silêncio.
Da nudez, resolvi tirar respostas... e bem, pela contagem dos calos, sou uma maré de cicatrizes, em um corpo vazio. Espero deitada a passagem dos dias, pensando em dias melhores. E que virão, talvez.


Mas o que de mim perdi...

Alimenta hoje, o que amanhã serei.

Envolvida em uma rotina caótica, em um invólucro inviolável, estou eu, indefesa e nua, nutrida de vãs esperanças de um mundo vadio... Eu, insustentável... carregada pelo que de mim é inegavelmente frágil.

(...)


Levantou do sofá.


E os pensamentos que a atormentavam se transformaram em sono e cansaço.

Culpou o trabalho, o ônibus lotado e o café frio.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Feto

Como posso ser tão vil em aprisioná-lo?

Em meu peito só restam os monstros e as mortalhas. O quarto está vazio e as lembranças cheias de misericórdia. O acordar é um sopro de vida em um berço quente de ardor incontestável.

O homem que amo me sustenta sobre os braços, que oscilam em franco cansaço e dor.

Não me encontro. Todos os dias estabelecem distancias palpáveis. Tudo o que já fui, não sou. Quando olho as fotografias antigas em que eu distribuia sorrisos com vivacidade me afundo no meu próprio burraco metafísico. Não me encontro em mim, não sou.
E como estou? Estou no caminho das coisas que realmente acredito? A dor do parto ainda me atinge com mãos assombrosas.O caminho da vida sorumbática que agora levo é o mesmo caminho da renúncia. Meu filho morreu nos milhões de braços que um dia tive antes de amputá-los. Remorso.

Não sou justa em prendê-lo ao um amor calssificado. Sou egoísta em amá-lo tanto? Sou o expoente da minha própria dor. E ela se alastra como uma ferida incurável. Feia e amarga aos olhos dos sadios. Minha dor contamina meu corpo, minha alma, meu relacionamento. Eis um casamento a beira de milhares de abismos.

Onde depositar as lembranças e as memórias densas do que nunca aconteceu? Onde depositarei todas as perspectivas? A primeira palavra dita, o cheiro de criança, o odor fétido de um feto em decomposição? Onde guardarei minhas mãos ensanguentadas? Metade de mim morre a cada dia. De modo que hoje, anos passados, já perdi mais inteiros do que um dia cheguei a ter.

O homem que me leva pelas costas, é o homem que me dá vida a doses efetivas mas efêmeras. Sua presença me corrompe, rasgando meu seio e me dando alegria. Alegria bruta. Matéria prima. Faltam-me mãos para modelar.

A liberdade que existe no amor? A trucidei.Não proporciono um chão firme para os seus passos. Todas as ações o amedontram...Minha arma? Minhas lágrimas.Minha dor. Ah...como são ofensivas.

Ao acordar e o berço voltar a arder. Ele me olhará com olhos atentos e carinhosos.
E dirá que me ama. Com os lábios frios temerei as palavras. E na imensidão dos olhos castanhos abandonarei meu corpo. Basta!
Depois do quarto, do berço, do filho esperado, da carcaça de mãe...existe o futuro e a redenção. Ainda que sem membros, sem força, sem nada. Me resta o amor e basta!



Dias depois :o parto.
O filho veio.
Os membros voltaram.

Mas não há berço.
Só o beijo doce e a quentura da mãos que se encontram em um quarto quente em dia de inverno.

sábado, 23 de abril de 2011





Todas as minhas alegrias são ensaios interrompidos. Quanto mais mergulho em risos, mais me esvazio de mim. E no imenso do vazio encontro minha solidão inviolável.

"Perhapinnes"

é.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Festa do Vizinho

Não há delícia em se perder. Às vezes aperto o peito em prece muda procurando o pedaço vivo de mim de outrora: Não me encontro. Todos os meus lapsos são descontínuos, minha vivacidade de tão apática me tira a beleza dos dias.

Não atraio olhares atraentes, as conversas que me cercam não me encantam.Faço parte da corja dos que andam nus: sem face sobre o que sentem ou pensam. A parte ofensiva do que sou está distribuída pelo meu dorso de forma que todos machucam. Sou tosco espinho ao redor de rosas cálidas.

A felicidade dos comuns me é contrangedora: Da minha janela selada por silêncios ouço o som de gritos, de música, de festa. Onde estou? Selada em mim, em uma mesa fria, acolhida pelo cheiro do que supostamente se consagra em ser feliz. Não sou, simpleste por nada conseguir ser. Minha conjugação é estar. Estou, e estou em todos os lugares, distante do que sou, perdida de mim, difusa. Só.

A poeira da solidão,amarga meus nuances. Quando preciso de mim, não alcanço. Todos os meus encontros, adiados. Todos os meus livros, parados na estante. Todos os meus medos, grudados na minha pele.

Não me encaixo: Sou peça amorfa, preciso de intensidades. Mais do que abraços e beijinhos, conversas breves e bedida compartilhada. Onde estão as pessoas por de traz do que gritam ser?


Há areia e mais nada


PS: Incrível como a depressão pós-euforia é ofensiva. Acho que nessas confraternizações esgotamos todas as nossas máscaras.Afinal, estamos todos muito fartos do que somos.

domingo, 6 de fevereiro de 2011






Pra derrubar uma edificação metafísica basta o sopro e nada.

Nada em uma maré de mágoas rasas.