terça-feira, 5 de outubro de 2010

Sobre a dor: odes mínimas.




O que existe em mim, é um fragmento sólido de algo que já fui. Restaram os olhos, os sapatos surrados e as lembranças. Meu coração: amores mal acabados em um mar de solidão. Infinito. Das manhãs com cor de zinco, do cansaço, da vida que morre em sol poente. Lúcido. Sem chicote e de mãos limpas. Cá estou expondo o meu dorso ao peso da cruz.Meus ombros cansados não se enchem mais com os sonhos matinais, nem com as vibrações do sucesso. Um barco a esmo.
O sentimento do vazio, o abstrair do coração. A dor é estado perene das minhas construções. Um câncer que por vezes lembra de latejar e contar minhas mortes com precisão. Um relógio apático, cinza escuro, da cor da pele, do tamanho do peito.
A dor é minha fonte de força, minha vitalidade moribunda. Já perdi minhas feições, meu sorriso efetivo,a mocidade dos meus olhos leves e vespertinos. A dor comeu minhas esperanças, meu estado de latência. Hoje, ser é doer.

sábado, 24 de julho de 2010

Solidão Platônica

Sobre a vida social: Um túnel cheio de vertentes sólidas que não levam a lugar nenhum. Os contatos se reciclam e por fim o retorno ao ponto de que somos todos eternos sozinhos. O efêmero representativo dos outros em nós é expressão da nossa cultura atual. Nos relacionamos cientes de que provavelmente não veremos tais pessoas de novo, ou que não devemos esmeros afetivos.

O eterno retorno, o cinismo em permitir, o sadismo . O fato das coisas se repetirem infinitamente em uma mesma lógica, faz com que aceitemos. Não nos importa se é doloroso o fato da distância,do contato ligeiro e toda essa masturbação sentimental. O corriqueiro é aceito pela constância e não por convicções morais.Pois, até as nossas convicções seguem um ciclo lógico dentro do nosso crescimento.

Eis nossa cultura do eu sozinho. A solidão platônica é nova, como uma corja de novos românticos, em que se sofre por querer encontrar essa solidão-encontro. A busca eterna do que se é. Esvaziar o peito dos amores cíclicos e sozinho permanecer. Sempre me irritou com tamanha eficácia a oratória de que os amigos, assim como todos os amores, são coisas passageiras e o que muito significa no presente mudará o sentido no futuro. Em resumo, todos os amigos mudarão de face, assim como a nossa vida e nossos hábitos. É fato que a vida de cada um de nós toma uma estrada e converge para um caminho nesse túnel. É muito mais fácil andar sem esperar ou olhar para trás. Cada um segue seu rumo, e o coração metafísico vai calejando de tantos passos impressos no dorso. Perdemos aos poucos a responsabilidade, a sumária importância que um dia tivemos na vida de outro, simplesmente porque novos rostos virão. O ser social, em corpo, nunca está só.

A fila anda. Sábia frase, sim. Pois na nossa sábia cultura somos condicionados a andar na fila do que nem sabemos, simplesmente para não entrar no ócio-individual e eventualmente sermos confrontados com as nossas ambições desconhecidas. Reconheço que nessa tal fila trocamos informações vitais ao crescimento, porque olhamos nos outros(tantos outros) o que não reparamos em nós. O objetivo é andar, andar rápido para qualquer lugar. Na diretriz atual, a velocidade é exaltada de tal forma que constantemente estamos perdidos

Como uma válvula de escape, uma solução desesperada à falta de objetivo em nossos passos. A solidão platônica, antagônica ao que um dia foram amores. Aqui se concebe o clichê: Há duas formas de aprendizado, o amor e a dor. Os amores viraram múltiplos e se perderam aos poucos do foco principal :o conhecimento do homem e a afirmação gradativa em ser "Pessoa". A solidão não admite múltiplos, está à mercê do que somos ou do que nunca seremos.

“Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?)”

Fernando Pessoa

sexta-feira, 19 de março de 2010

Latido de Adeus





Todo silêncio, são reticências cansadas da minha prece. Não sou muito mais do que me vejo. Não sou só esse cansaço, esse peito fraco, essas mãos frias que me ardem. Estou parada. Eu, e os fragmentos de mim. Não encontro a cronologia do que foi perdido. Abri os olhos, e fui pra fora de todas as sacadas procurando doçura no vento.Quero corromper comigo, estraçalhar todos os meus fardos, sair pra fora de todas as vidas, mover as janelas estáticas . Pulsa, porque sinto. e pulsa rápido, mais que os sonhos, mais que os olhos que piscam sem saber porque o fazem.

Escoam as lágrimas surdas.

E me molho em silêncio, sem pressa. Eis minha lavagem carnal, o limpar dos meus sujos, dos arrependimentos que se afirmam,hoje, como marcas inevitáveis, irrevogáveis. Estou na beira do leito da morte de um irmão.Banhando-me no fluxo do rio, nas margens de uma correnteza inescrupulosa, que me bate nas pernas. Com força. Sem compaixão. Ó morte, tu que és tão forte! Poupa-me. Conversa minha dor, não invada a minha força.

E vai levando a alma, aos poucos. Fazendo restar apenas lapsos desconexos de memória. Levou o afeto, o amor, as lembranças que ferem, que perdoam, que prometem... antes de transformar o corpo em cinza, em grão, em nada. Reconheço-me nos traços que ainda nos afirmam como semelhantes. O olhar firme. A claridade do azul que permeia o corpo, vomita a alma. Restam os semblantes desbotados do loiro, fixos sobre a magreza do dorso. Pele, osso, redenção.

Enoja-me a firmeza das palavras proferidas pelos homens.O choro que me invade os pulmões, contrói uma barragem sólida pra digestão dos carinhos. Todos os toques, os consolos, são alfinetadas medíocres sob pele morta. Todo meu invólucro sagrado, meu conjunto da derme, do escape, da máscara de sustento, se esvai. E cá estou, nua e inatingível. Em um mundo que desconhece as leis naturais alheias à morte. Não sou dual. Hoje, tenho nas duas faces, o rosto fúnebre . Sou os meus desconsolos, que foram guardados aqui, onde cheguei. A parte absconsa da alma que não se espera nunca encontrar. Venham sentimentos, machuquem-me. Não dói.

Anestesia moribunda do sofrer.

Seguro as patas do meu cão, e colo junto ao que me seriam patas se me fosse possível escolher a doçura do desumanizar. Se pudesse ser bicho... e ser selvagem entre árvores e esquecimentos.Encontro nos túneis ensopados de água, a possibilidade do sopro. Respiro. As peles que me foram arrancadas, começam a colar, a sanar. A beleza ofensiva de um quebra cabeça metafísico, onde não existem peças, nem lógicas, nem razão. E se há a possibilidade de vida. Vivo, meesmo que diminuída. As partes que me foram só ternura, estão enterradas na minha memória e no túmulo em que meus cães foram comidos por outros bichos, invadidos por vermes. Viraram adubo. Florescem.

Agora, apenas seco ao sol,


Eis meu latido de Adeus.