quinta-feira, 19 de novembro de 2009



Estranho quando a vida silencia. Não um silencio premeditado, mas sim como se de repente fosse tomado da vida o direito da voz, e todo o grito tornasse um caroço espesso na garganta. O que se vive é um reflexo amorfo que se tenta ser. Existir é suceder o peito ao pisão dos vindouros cavalos. Quando o choro não é físico, longe do fato consumado que é o chorar. Nos pesa no peito o dilacerar dos pisões..e então se chora, se grita, se dói, em amargura bruta, ofensiva. Como o triturar do vidro manso sobre a pele. Transparência vil, sobre o asco vermelho(vital)dos homens.

Me encontro cega, sobre uma multidão em tiroteio. A varanda do meu aglomerar é cheia de gritos surdos. Não só o meu. Não só o meu penar. São milhares de janelas que me circundam em tal orgia da dor...e o gozo me cabe, completamente por direito.
Absorvo-me, como se fosse convertida em esponja. De tal forma que a angustia se distrubuisse igualmente entre os membros que pulsam. Mascarando a dor em cansaço.

Amanhã é dia novo. Cotidiano Cotidiano Cotidiano Cotidiano Cotidiano Cotidiano Cotidiano Cotidiano Cotidiano Cotidiano Cotidiano Cotidiano Cotidiano Cotidiano


Espero que um dia, vomite por inteiro meus gritos secos.
Colaram-se ao muco.
Ci Dade, Ci idade, Se...




Porque há o direito ao grito.
então eu grito.


Lispector.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Lembrança.




Ela, era moça jovem, com um pouco de bonito, um pouco de amargo...Era crua, daquele tipo de nudez que transcede.O fato de alguém ser coberto de cores cruas, me instiga por completo.
Por exemplo, um dia de sol, carros conurbados, barulho, caos. Um homem velho, gordo com sete dentes a menos, abrindo uma janela plena pro vermelho do céu da boca.Carrega 2 latas de tinta, fortes, ásperas. Posso até sentir o cheiro das cores que portava.Uma era vermelho cereja, daquelas cores comestíveis que enchem os olhos e são visíveis ao paladar.Um universo de sensações tão intensas que são algutinadas em um segundo banal. As cores comestíveis são um tiro em orgão latente. A outra cor de de tão explosiva, alfinetava carinhosamente o coração dos homens. É um carinho suscinto, daqueles que mais se aproximam da verdade, suponho.
As cores são um afago silencioso, pia tão baixo que não nos cabe tentar ouvi-las.O homem gordo caminha ao lado da moça e TXIBUM, derruba as tintas em um tropeço cego. Os membros se armam e acolhem, como se fosse esponja sobre suco. Absorvem, sorvendo tal vida exposta,derramada. Moça de tons pastéis, sugando e sugando.

Tal fato permeia minhas lembranças, sempre. Em uma dança macabra e absurda. Imagino a moça cheia de poros, deitada nua perante o velho gorila, rolando no chão entre as tintas , em contínuos sorrisos.O sorriso é tão largo e farto na minha memória que fico imaginando sempre como um fato consumado.Infelizmente não o é. Provavelmente o moço continuaria a andar pela rua, como o rosto suado e barriga a escapar pela regata branca, meio cinza, meio preta-encardida-.A moça a andar apressada pela rua estreita, em um misto de medo e redenção.A tinta possivelmente ia continuar segura nas mãos do velho homem, que por ser tão velho a mão acompanhava a cronologia da velhice. Aliviada por passar em segurança do lado do velhote, atravessaria a rua, entraria em casa, comeria, assistiria televisão (no escuro). E abririam-se alguns feixes de luz no vasculhante do banheiro, feixes de uma multidão efervecente, agitada, como loucas mulheres no cio. Enraizariam algumas cores pesadas.Os homens ao vê-las respirariam com força, sem se dar conta.

Pobre da moça, pobre do velho, pobre de mim...que volto pra casa com o peito cheio do que nunca foi, mas que em mim é fato, é vida.

Vida minha que inexiste.



Um punhal.