Como posso ser tão vil em aprisioná-lo?
Em meu peito só restam os monstros e as mortalhas. O quarto está vazio e as lembranças cheias de misericórdia. O acordar é um sopro de vida em um berço quente de ardor incontestável.
O homem que amo me sustenta sobre os braços, que oscilam em franco cansaço e dor.
Não me encontro. Todos os dias estabelecem distancias palpáveis. Tudo o que já fui, não sou. Quando olho as fotografias antigas em que eu distribuia sorrisos com vivacidade me afundo no meu próprio burraco metafísico. Não me encontro em mim, não sou.
E como estou? Estou no caminho das coisas que realmente acredito? A dor do parto ainda me atinge com mãos assombrosas.O caminho da vida sorumbática que agora levo é o mesmo caminho da renúncia. Meu filho morreu nos milhões de braços que um dia tive antes de amputá-los. Remorso.
Não sou justa em prendê-lo ao um amor calssificado. Sou egoísta em amá-lo tanto? Sou o expoente da minha própria dor. E ela se alastra como uma ferida incurável. Feia e amarga aos olhos dos sadios. Minha dor contamina meu corpo, minha alma, meu relacionamento. Eis um casamento a beira de milhares de abismos.
Onde depositar as lembranças e as memórias densas do que nunca aconteceu? Onde depositarei todas as perspectivas? A primeira palavra dita, o cheiro de criança, o odor fétido de um feto em decomposição? Onde guardarei minhas mãos ensanguentadas? Metade de mim morre a cada dia. De modo que hoje, anos passados, já perdi mais inteiros do que um dia cheguei a ter.
O homem que me leva pelas costas, é o homem que me dá vida a doses efetivas mas efêmeras. Sua presença me corrompe, rasgando meu seio e me dando alegria. Alegria bruta. Matéria prima. Faltam-me mãos para modelar.
A liberdade que existe no amor? A trucidei.Não proporciono um chão firme para os seus passos. Todas as ações o amedontram...Minha arma? Minhas lágrimas.Minha dor. Ah...como são ofensivas.
Ao acordar e o berço voltar a arder. Ele me olhará com olhos atentos e carinhosos.
E dirá que me ama. Com os lábios frios temerei as palavras. E na imensidão dos olhos castanhos abandonarei meu corpo. Basta!
Depois do quarto, do berço, do filho esperado, da carcaça de mãe...existe o futuro e a redenção. Ainda que sem membros, sem força, sem nada. Me resta o amor e basta!
Dias depois :o parto.
O filho veio.
Os membros voltaram.
Mas não há berço.
Só o beijo doce e a quentura da mãos que se encontram em um quarto quente em dia de inverno.
quinta-feira, 2 de junho de 2011
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