sábado, 13 de junho de 2009

"É melhor ser alegre que ser triste..."


Eram amigas de longas datas, mas se o tempo fosse posto no filtro... nem eram tantas datas, nem era tanto tempo. Eram do tipo de amigas desmembradas que por mais tempo que se conheciam mais tempo se distanciavam. Enfim... eram desconhecidas de longas datas.
Como o dia amanheceu chuvoso se encontraram como de praxe na casa de Isabel, a mais velha e mais loira.Raquel era mais meiga, mais bonita e por fim mais feliz. Izabel sentia bem o peso de ser feia, porque pesa, amarga... é algo que nunca se digere. Ser feia é ser infeliz, e me desculpem as feias.
As conversas eram comuns, simples..."Ah, e aquela roupa de Alina de Jorge, tão bonita né?"
"As coisas no supermercado andam cada dia mais caras..."
" Não sei o que eu faço com a minha pele"
" Fazendo frio, né?"
" Quer coca?"
"O colesterol tá bom?"
" Tô fazendo hidroginástica nas segundas feiras!"
Ah , humanos... há de se soltar um sorriso de lado, meio sem graça, porque tais banalidades são comuns a todo peito, especificamente peito de mulher.

Passaram anos, choveram cântaros, e Isabel e Raquel continuaram... da mesma forma de um mesmo jeito, sozinhas

Um dia qualquer , se encontraram no supermercado, não chovia, fazia um sol gigante capaz de aquecer, de derreter qualquer felicidade, capaz de secar qualquer alma, qualquer peito e elas iam cobertas de um ar fresco de mentira, mas que escondia o suor...afinal... Isabel feia, Raquel bonita.

Existia um singular encontro, pois não chovia e nunca tinham se encontrado na rua,nunca tinham se encontrado assim...desprevinidas, despenteadas, com a vida tão exposta uma a outra(afinal tem coisa mais exposta que um carrinho de compras?)
Se cumprimentaram como vizinhas, aquele contato bem pelas beiradas...acho que esperavam uma chuva cair, o ambiente fechar, um tempo mesmo que breve pra esconder suas verdades, e pronto, enfim manter um contato sucinto, perguntar dos filhos, do marido...qualquer assunto que exige uma proximidade considerável, isto elas realmente tinham... conheciam suas respectivas cascas como ninguém.

"ô Raquel, você se sente feliz?"

"Claro que sim,Isabel, tenho tudo nessa vida! tudo que uma mulher poderia querer,
status, dinheiro, marido bonito, filhos lindos(...)"

Se auto bombardeou com elogios, dos mais externos. Falou da sua beleza, das horas intermináveis para cuidar de si...eram tantas coisas... Nunca pararam para pensar se eram felizes, ou não. Felicidade não era temática de novela... é miscível em algo de nós, e não há decantação que separe.

"E você Isabel é feliz?"

"Não."

Sempre assustador ouvir o "não", o não corrompe qualquer casca, qualquer cobertor, o não expõe o sumo, como algo que já devia ser expulso do útero e lá insiste em ficar, até que apodreça.

"Não sou bonita, nem rica, não tenho filhos, não tenho marido, não tenho em mim nada que transborde, sou tão seca"

"Tenho que ir, estou tão atrasada"

E foi mesmo, virou o seu carrinho saudável, cheio de embalagens bonitas, com pessoas sempre belas e felizes e foi embora... deixou Isabel só, afinal era quente e não chovia...
As cascas cairam, a abertura foi exposta a dor, as duas enfim nuas, enfermas...desde então nunca mais voltaram a se ver.



Choveram cântaros, uns,sem casca,morreram afogados.


Um comentário:

Lucas Santana disse...

não me sinto mal
não me tocou...ou tocou
O pesar só parece úmido a quem o pertence.
o pesar alheio é seco
não sei
realmente adorei o texto